Eletricidade Mata!
Por definição, o choque elétrico é o efeito que se manifesta no
organismo humano quando é percorrido por uma corrente elétrica. Usando uma
comparação simples, com base nos dados científicos disponíveis, a intensidade de
corrente elétrica que pode começar a causar efeitos indesejáveis no organismo
humano é mil vezes menor do que a necessária para fazer funcionar uma lâmpada
de 100 watts.
Infelizmente, pouca gente sabe disso e desdenha do perigo de instalações
e equipamentos elétricos de baixa tensão. A maioria das pessoas já passou pela
experiência de um choque elétrico e por terem saído ilesas consideram esse tipo
de acidente inofensivo.
Aplicam o princípio da auto
exclusão quando o assunto é a susceptibilidade aos acidentes. Alguns até acham
engraçado “levar um choque”. É a completa banalização do perigo e o
desconhecimento sobre a ocorrência estimada de mais de mil mortes por ano, no
Brasil, decorrentes de acidentes com eletricidade; muitos deles em situações
corriqueiras e em baixa tensão.
Alguns curiosos se orgulham da
coragem ao tratar com eletricidade, outros consideram exageradas as medidas de
prevenção e há aqueles que acham tudo muito caro. Preferem comprar equipamentos
e materiais mais baratos, suprimir dispositivos de proteção e delegar a
execução e manutenção da instalação elétrica a um obreiro corajoso, promovido,
“por bravura”, à condição de eletricista.
Diante de todos esses absurdos,
que ocorrem em todos os tipos de ambientes, incluindo os do trabalho, os
profissionais de segurança, muitas vezes atônitos com a aparente complexidade
do tema, são surpreendidos com acidentes graves e fatais em instalações e
serviços de rotina.
Registros de chuveiros, cercas, grades e portões, postes, andaimes,
balcões térmicos, bombas e motores diversos, máquinas de solda, refrigeradores,
enfim, uma série de equipamentos que deveriam estar cumprindo a sua missão
funcional de transformar energia elétrica em frio, calor e movimento,
transformam-se em algozes de pessoas inadvertidamente expostas ao risco de
contato com suas partes indevidamente energizadas. Por que isso acontece e o
que podemos fazer para impedir que continue ocorrendo? Vamos tentar responder e
dar algumas sugestões.
Todos os equipamentos e instalações podem apresentar defeito; isso é
algo inquestionável. No caso de equipamentos elétricos, uma falha comum é o
contato interno dos seus circuitos (fios e cabos) com as partes metálicas que
os circundam. Quando isso ocorre, uma parte da corrente elétrica passa a circular
pela parte externa desses equipamentos, procurando um caminho de baixa
resistência para continuar fluindo.
Quando alguém faz contato com esse equipamento, o seu corpo completa
esse caminho mais fácil para essa corrente elétrica que quer “fugir” do circuito
para o qual ela foi projetada. O corpo humano também oferece uma resistência à
passagem da corrente elétrica cujo valor depende, entre outros fatores, do
percurso dessa corrente pelo corpo e da resistência da pele nos pontos de
contato. Por outro lado, a resistência da pele varia bruscamente com a presença
da água, seja a umidade natural do corpo (suor) ou o contato com as mãos ou pés
molhados ou em situações com partes do corpo imersas ou encharcadas. Apenas,
para efeito de curiosidade, um valor atribuído à resistência do corpo humano,
em ambientes externos, sujeitos à presença de água, é de 1.000 Ω e pode ser
menor se ocorrer imersão de partes do corpo, como é o caso de tanques,
galerias, caixas de passagem, banheiras e piscinas.
Ao percorrer o corpo humano, essa corrente elétrica causa danos,
temporários ou permanentes, ao sistema nervoso; gera contrações musculares
dolorosas, prolapso (deslocamento permanente de órgãos internos) e pode alterar
o funcionamento de músculos vitais como o diafragma e o coração.
Além disso, toda vez que ocorre a
passagem de corrente elétrica, há dissipação de calor, podendo causar
queimaduras na pele e em órgãos internos.
Ora, se os
equipamentos e instalações elétricas estão sujeitos a falhas e elas podem expor
as pessoas ao risco de contato, com consequências graves e previsíveis, é
natural que sejam adotadas medidas de controle. Essas medidas são conhecidas e
previstas nas normas técnicas de instalações elétricas e a sua adoção é
obrigatória de acordo com inúmeros instrumentos da legislação vigente, desde o
código de defesa do consumidor, até a regulamentação trabalhista específica
(NR-10), passando por alguns outros menos conhecidos, mas que servem de reforço
ou respaldo; se é que isso é coisa necessária para se fazer o que é certo.
“Faça a coisa certa.”
Esta é a principal recomendação quando o assunto é a segurança das
pessoas que podem estar expostas ao perigo. Não há muitas novidades em medidas
de proteção contra choques elétricos. Os conceitos básicos são antigos, pois
estamos falando de aterramento por meio de condutores de proteção (fio terra),
tomadas e plugues com três pinos para permitir a conexão do fio terra até o
quadro de distribuição, dispositivos de proteção diferencial, duplo isolamento
de ferramentas elétricas manuais, fios e cabos protegidos em eletrodutos e
bandejas (eletrocalhas), circuitos protegidos por disjuntores e fusíveis,
inspeções e testes periódicos no sistema de aterramento, utilização de extra
baixa tensão para locais com possibilidade de contato em imersão (banheiras e
piscinas, por exemplo).
Não se espera que os profissionais de segurança dominem toda essa
tecnologia. O nosso papel é fazer valer a nossa capacidade de percepção de
risco e exigir dos especialistas, sejam eles os engenheiros, eletrotécnicos ou
eletricistas, a comprovação da obediência às prescrições técnicas de projeto,
operação e manutenção das instalações. Vale destacar que o eletricista é o
executor dos serviços, cuja especificação deve estar sob a responsabilidade
técnica de um engenheiro ou de um eletrotécnico, dependendo das características
da instalação.
Se há contato com equipamentos elétricos, há o risco de energização
acidental. Basta que a tensão da instalação seja igual ou superior a 50 volts.
E isso vale no Brasil e em qualquer lugar do mundo. É um dado que deve estar
previsto nas análises de risco. Ainda mais nos ambientes de trabalho, pois os
acidentes com eletricidade apresentam uma taxa de gravidade mais alta do que a
média dos outros tipos de acidentes de trabalho.
O choque elétrico mata, mesmo em baixa tensão,
e com equipamentos e instalações rotineiras. Sem medidas de proteção adequadas
não há como escapar; é apenas uma questão de tempo. Não
basta pensar sobre o assunto, é preciso agir. E isso vai muito além do
cumprimento de uma norma ou regulamento, como é o caso da NR-10, é uma mudança
de cultura, é a implantação de uma cultura de segurança.